Odilon Ramos Odilon Ramos - A Voz do Pai

O pai em casa era uma autoridade
Dizia o que podia e o que não podia
Determinava, o certo e o errado
A voz do pai era uma voz sagrada
Grave pausada para dar conselho
Firme e bem forte para passar as ordens

A voz do pai sabia contar causos
Causos que ouvira o seu pai contar
Era uma vez... E lá vinha uma história com bichos
Que falavam, gente que voava, magos
Poderosos e casas assombradas
E a gente, criança inocente, galopava na
Garupa da imagina?

Quanta emoção a voz do pai nos transmitia
Na hora da janta
Ninguém se servia antes de ouvir o pai
Rendendo graça
E a família reverente, olhos fechados, ao fim
Arrematava num... Amém

E os versinhos que o pai dizia
Ninguém sabia tantos quanto ele
Eu sabia tanto verso
Que sabia um saco cheio
As formigas me bateram
Me deixaram pelo meio

E as vezes
As vezes o pai cantava
E o pai cantando era a cantiga mais linda que
Eu ouvi
Modinhas, hinos, ternos, oilarai
E a filharada fazia coro
E cada um, com a sua voz, queria imitar a
Voz do pai

A voz do pai tocava os bois na canga
Barroso, cola branca, era boi
E chamava o cavalo no potreiro: ô, ô, ô, ô
E atiçava o cachorro nos gambas
Fiu, fiu, fiu, fiu, pega, pega, pega
E os bichos. (até os bichos)
Lá de casa
Conheciam e obedeciam aquela voz

A voz do pai tinha hora pra tudo
Pra dar risada de um causo bem contado
Ou para ralhar, se a gente desleixava
Barbaridade
Quando aquela voz trovejava
Uma ameaça fazia a gente estremecer de medo
Talvez
Fosse melhor dizer: Respeito

A voz do pai só nunca soube se queixar de
Nada
Gemer, até podia se a dor era muita
Chorar, se permitia, pelo sentimento
Mas um queixume, uma lágrima, uma
Maldição
Isso, jamais se ouviu na voz do pai

É tão viva a lembrança que parece que ainda
Ouço a tua voz meu velho
E as vezes, quando falo com meu filho
Dou rédea ao sentimento
E o som que sai me faz escaramuçar o
Coração no peito, pois ouço de mim mesmo
A voz do pai